Aline Fiamenghi

Improvisação em dança: do evento à experiência 1

autora: Aline Fiamenghi

Mestre pelo Programa de Estudos Pós Graduados em Psicologia Clínica – Núcleo de Estudos Junguianos – PUC-SP, psialinef@gmail.com

co-autora: Liliana Liviano Wahba

Professora doutora do Programa de Estudos Pós Graduados em Psicologia Clínica – Núcleo de Estudos Junguianos – PUC-SP, lilwah@uol.com.br

Resumo:

Este artigo visa apresentar algumas reflexões a partir da dissertação de mestrado: “A Potência da Improvisação em Dança: uma abordagem arquetípica”. O objetivo da pesquisa foi descrever como a escultura tema do Laboratório de Improvisação se tornou uma imagem para as dançarinas por meio de uma espécie de imaginação ativada. A elaboração do Laboratório foi a construção de um método de aproximação do objeto, a fim de descrever a experiência da improvisação em dança sob a perspectiva da alma proposta por James Hillman. Para o autor “alma” não é uma substância, mas uma perspectiva, uma tarefa, a função de transformar eventos em experiências, a capacidade de reconhecer todas as realidades como primariamente simbólicas ou metafóricas. A alma revela-se por meio de imagens-metáforas, ela é psique e psique, como Jung já sugeria, é imagem.

Palavras-chave: James Hillman – improvisação – imaginação – alma

Summary:

This article presents some reflections based on the dissertation: “The Potency of Improvisation in Dance: an archetypal approach.” The objective of this research was to describe how the sculpture theme Lab Improvisation became an image for the dancers through a kind of active imagination. The development of the Laboratory was the construction of an approximation method of the object in order to describe the experience of improvisation in dance from the perspective of the soul proposed by James Hillman. To the author of “soul” is not a substance but a perspective, a task, the task of transforming events in experience, the ability to recognize all realities as primarily symbolic or metaphorical. The soul is revealed through images-metaphors, is the psyche and the psyche, as Jung has suggested, is the image.

Keywords: James Hillman – Improvisação – Imaginação – Alma

1 Texto publicado nos Cadernos Junguianos vol 9

Imagem 1 – Danaide

James Hillman (1992) propõe a literatura como um campo pertinente ao “fazer-alma”, pois ela permite experimentação ao pensamento e à linguagem. Segundo o autor é no jogo de palavras, metonímias e metáforas que uma imagem ganha volume. Brincar com a palavra-imagem produz um espraiamento, um alargamento e a subversão dos sentidos e assim, produz alma. Fazer-alma portanto, é um trabalho poético com as imagens da psique. Ele seguiu os passos de Jung, que já ressaltava: “Tudo aquilo que se torna consciente é imagem e imagem é alma” (JUNG, [1978] 2003, par. 75).

A partir dessas considerações apresenta-se a improvisação em dança como um trabalho anímico, uma possibilidade de criar espaço interno, de criar corporalidade (um corpo que vibra o que vive, um corpo que assimila e integra a experiência) e assim, ao abrir espaço para novos sentidos dando maior volume à psique, a improvisação é uma possibilidade de agenciar desejos e atravessamentos.

O trabalho com a imagem pauta-se no presente, naquilo que aparece “aqui e agora”, nesse sentido é uma improvisação, o que não quer dizer que vale qualquer coisa, ao contrário, é necessária uma escuta apurada e uma precisão para se manter junto à imagem: “stuck to the image” é a premissa da psiclogia arquetípica para Hillman (1997). A própria imagem apresenta seu método, conta como trabalhar com ela.

Na pesquisa sugeriu-se um tema para o Laboratório de Improvisação para configurar um campo: a escultura A Danaide, de Rodin, pela sua riqueza de movimento e seu conteúdo simbólico. Organizou-se o trabalho em dois momentos: antes e depois da improvisação, cuja hipótese era de que o trabalho imaginativo produziria novos sentidos. Atentou-se para o que se movimentava junto ao corpo das participantes, que imagens eram produzidas, que tipo de narrativa se apresentava a cada proposta. Hillman (1977) propõe que a amplificação se dá na própria imagem, que os sentidos ocultos já estão ali, mas precisam ser desvelados a partir de um trabalho poético ou metafórico.

Dizer que há um sentido oculto na imagem não quer dizer que há um a priori, ele não é dado exclusivamente nem pelo interpretante, nem pela imagem, mas é construído na potência daquela relação, daquele encontro particular.

Essa ideia encontra ressonância no pensamento de Michelangelo, um dos maiores artistas do ocidente, que segundo Stone (1961), acreditava que a obra já existia na pedra e que o seu trabalho consistia em revelá-la. Podemos observar, por exemplo, a série entitulada Escravos, que são esculturas consideradas “inacabadas” por alguns, mas para o artista revelaram o necessário, ou seja, a alma contida na matéria. O encontro de Michelangelo com os pedaços de mármore que seriam trabalhados, desde a escolha que era feita pessoalmente por ele nas pedreiras – em que não fica claro quem escolhe quem – e todo o trabalho que se seguia de respeito e atenção à alteridade do material faz pensar em um tipo muito peculiar de experiência. Somente aqueles mármores poderiam revelar aquelas imagens, outros revelariam outras. O que pode parecer óbvio aponta para uma precisão do encontro, para uma composição que foi esta e não outra, senão produziria outro resultado. Isso tira o peso excessivo da subjetividade na generalização do conceito de projeção. O mundo deixa de ser uma grande tela onde projetamos nosso subjetivismo e ganha alteridade:

Como formas expressivas, as coisas falam: mostram as configurações que assumem. Elas se anunciam, atestam sua presença: ‘Olhem, estamos aqui’. Elas nos observam independente do modo como as observamos, independentes de nossas perspectivas, do que pretendemos com elas e como as utilizamos. Essa exigência imaginativa de atenção indica um mundo almado […] Interpretar as coisas do mundo como se fossem nossos sonhos priva o mundo de seu sonho, sua queixa. (Hillman, 1993, p.14).

Imagem 2 – Slaves

O Laboratório de Improvisação buscou criar condições para que a obra de Rodin repercutisse e se amplificasse nas ideias e no corpo das dançarinas, produzindo um pensamento corporificado e um corpo metaforizado. Das múltiplas possibilidades de se trabalhar em torno dessa obra, optou-se por observar o que a escultura suscitava nas participantes, que na maioria não conhecia o mito das Danaides. Há alguma “coincidência” nos relatos com o conteúdo do mito, já que Rodin se baseou em uma das Danaides para expressar algo humano, que se especifica e encontra ressonância na experiência pessoal de cada um. Note-se ainda que a modelo da escultura era Camille Claudel, com quem ele teve uma relação duradoura e apaixonada.

Ao descreverem o que viam na escultura antes de improvisar, as participantes relatam por exemplo amor, esgotamento, entrega e destino. Ao engrossar a imagem, ou seja improvisá-la, falar, escrever sobre a experiência e improvisar de novo, os sentidos se metamorfoseavam, a imagem se espraiava no corpo das dançarinas, e as descolava de modos identitários, conhecidos. Uma delas relata: “Me levou para lugares que eu nunca visitei, mesmo no meu corpo. Tenho medo de ficar sempre em lugares comuns, porque já tenho uma linguagem corporal. Foi muito bom descobrir outras sensações, outros estados, foi muito bom estar lá, no sentido do movimento. Cheguei a situações de movimento geradas por algo sugerido, que nunca tinha chegado. Nada muito extenso ou do tipo: UAU! … Por exemplo, no mar, nas ondas, eu queria ser levada pela água. Me sentia ora com forma, ora sem… Minha bacia percorria montanhas…”.

Através da escultura um sentido psicológico é despertado. A dança passa de um sentido de movimento à experiência, assim como a escultura ganha vida por meio das improvisações. Entendemos “alma” não como uma substância, mas como uma perspectiva, um trabalho, a função de transformar eventos em experiências, a capacidade de reconhecer todas as realidades como primariamente simbólicas ou metafóricas. Em seus ensaios sobre a imagem, Hillman (1977, 1978, 1979) postula que esta não é algo pronto: é poiésis, uma maneira de olhar que implica, necessariamente, valor. Imagens são almas, escreve o autor. Propõe, portanto, que a Psicologia Arquetípica é a psicologia da imagem e que, para trabalhar com ela, precisamos “descer” ao nível da alma. Quando trabalhamos com analogias metafóricas, as conexões ocultas da imagem ramificam-se por todos os níveis e lugares.

O autor (1998) aponta cinco características da alma: a) é um componente desconhecido que torna o sentido possível; b) transforma eventos em experiências; c) é comunicada no amor; d) tem uma atenção religiosa; e) tem relação com a morte. Ele completa:

A transformação de eventos em experiências se dá pela via do aprofundamento. Profundidade é uma metáfora intrínseca à noção de alma e enfatiza a característica da intensidade… Alma é também uma capacidade imaginativa humana, a experiência por meio da especulação refletida, do sonho, da imagem e da fantasia… A significância que a alma possibilita, seja no amor, seja na atenção (concerning) religiosa, deriva de sua relação com a morte. Profundidade, realidade psíquica e finalidade. (HILLMAN, 1992, p. 10).

Ao dançar, penetramos no campo metafórico. O corpo, o espaço, o tempo e o gesto são re-significados. A linguagem desse corpo que dança é penetrada pela imaginação, é construída e guiada por imagens que se espraiam em um rizoma, fazendo alma.

Esse tipo de pensamento rizomático não tem hierarquia ou centro. Ele se dá na articulação das possibilidades do corpo que dança, pelo seu repertório e pelas combinações de sua subjetividade, produzindo conexões desconhecidas, mas que, de alguma forma, sempre estiveram lá. É um pensamento descentralizado e complexo, que, ao abrir suas conexões, areja e re-arranja o sistema que é desestabilizado por cada ação.

O paradoxo alimenta-se de imagens construídas e instáveis, de formas condensadas em suspiros de vida e morte, o circunscrever do movimento, a massa de infinitas possibilidades limitadas instantaneamente pelo desenho do verbo dançar. A relação da dança com a morte produz momentos de passagem, de devir, que são sustentados pelo movimento dançado, imprimindo um recorte a uma infinidade de combinações possíveis. A inconsistência do ser encontra, na mobilidade e na efemeridade da dança, uma inscrição para essa experiência vertiginosa, em que tudo se desfaz, instaurando um modo de subjetivação em constante movimento.

Essa dimensão efêmera e humana se dá principalmente nos paradoxos: Como sustentar o insustentável, a leveza de ser onde não se é, a inconsistência de ser para poder existir? O corpo que dança se abre para essas experiências. Os limites entre o dentro e o fora neste corpo são apagados. O tempo é paradoxal, simultâneo, suspenso. O espaço do corpo se prolonga e invade o espaço circundante, que se torna um invólucro para a dança.

Imagem 3 – Fita

Como na fita de Moebius, que indica uma topologia não orientável, fronteiriça, contínua, as combinações subjetivas são expostas na pele, que puxa o movimento e torna-se espaço. Ao dançar, re-viramos o tempo todo. Uma participante descreve sua experiência: “Ora tenho forma, ora não, ora sou eu, ora ela, forte eu, forte ela, os cabelos da escultura viram quebras para minha coluna, os espaços que quero percorrer com minha bacia atravessam um túnel imaginário para sentir as montanhas”.

No plano da imaginação corporal as fronteiras se apagam em direção à simultaneidade das imagens. As imagens guiam os movimentos, e estes produzem novos sentidos para elas. O que era sentido como vazio, antes de dançar, torna-se espaço no corpo, o abandono torna-se entrega, o destino torna-se escolha. Outra participante relata sua sensação depois da dança: “Quando a opinião desce da cabeça, a dor torna-se possível, o espaço contrito alcança amplitude”. E uma outra completa: “Eu vi tudo diferente depois que eu comecei a dançar. Porque o que era vazio virou espaço, o que era abandono virou entrega, chance de recomeço, possibilidade e descoberta”.

Foi produzido um vídeo a partir do Laboratório de Improvisação para tentar transmitir a atmosfera e dar alguma materialidade para a pesquisa que se concentrou na experiência. No sentido grego de estética, aesthesis ou percepção, é uma experiência que vai além da forma ou de categorias como o belo e o feio, estético como o que afeta, o que através da forma conecta com um sentido de interioridade. Durante a pesquisa a intensidade e a materialidade da experiência revelaram-se principalmente nas palavras, tenham sido elas escritas ou faladas, palavras corporificadas pela dança e o video acabou sendo um recurso a mais, complementar ao texto. Segundo relato escrito a partir de uma das danças: “A descoberta das potências, do encontro, do contraponto, se fazendo alma. Rompendo a barreira, a forma conhecida, que não cabe mais. A contra-força do desejo, do que em mim, a partir de mim, se inscreve de novo. No olhar do horizonte, do que vai ser, do devir. Do que se faz em forma de eu”.

Não há forma sem percurso. A aproximação do que quer que seja é lenta, exige trabalho e como escreve Clarice Lispector (1998), muitas vezes atravessa inclusive o oposto daquilo que se vai aproximar.

Ao debruçar-se sobre o material das participantes observou-se que diferentes formas de narrativa se apresentaram, diferentes personagens, dançando, falando e escrevendo sobre sua dança em uma mesma pessoa, revelando estilos de consciências. O estilo de consciência está diretamente ligado às fantasias inconscientes do indivíduo, ou seja, qual personagem ou complexo está falando e agindo.

Ao considerar que a consciência não é privilégio do ego – este pode ser o centro da consciência, mas ela está distribuída pela psique – propomos a descentralização ou destronamento do ego em direção a outros centros. A consciência é re-distribuída e re-interpretada pelos outros complexos. Apesar de focal, pode estar em outros lugares psíquicos, mesmo que não ao mesmo tempo. Nos sintomas ou nas personificações dos complexos, por exemplo, temos estilos precisos de consciência, segundo Jung, a psicopatologia e a psicologia onírica apontam para uma segunda consciência.

Jung conclui: “Por isso, faremos bem em conceber a consciência do eu como cercada de uma multidão de pequenas luminosidades” (JUNG [1971] 2000, p.387).

“Não há um conteúdo consciente que não seja também inconsciente […] O eu é o ponto de referência da consciência […] Mas para o eu, estes conteúdos continuam inconscientes do ponto de vista prático, isso não quer dizer que eles não sejam conscientes para ele sob um outro aspecto, isto é, o eu pode conhecer ocasionalmente estes conteúdos sob um determinado ponto de vista, mas não sabe que são eles que, sob um outro aspecto, provocam as perturbações na consciência. Além disto, existem processos a respeito dos quais é impossível demonstrar uma relação com o eu consciente, e que, apesar disto, parecem “representados” e semelhantes à consciência. Finalmente, há casos em que estão presentes um eu inconsciente e, consequentemente, também uma segunda consciência, como já vimos, embora sejam exceção.” (JUNG [1971] 2000, par.385)

Nesta proposta trabalha-se na dança com a consciência de diferentes partes do corpo. Um corpo inconsciente que busca sua consciência pelo movimento, pelo trabalho psíquico a partir do movimento, sedimentado na fala. Trata-se de ir em direção a consciência de cada imagem, discriminar e revelar a narrativa própria de cada estilo de consciência, articulado pela fantasia insconsciente em questão e sua graduação consciente.

Modalidades de consciências se apresentam nas narrativas registradas pela pesquisa, com teceduras diferentes, formas verbais distintas, pronomes contrários, pontuação ausente; nelas, as imagens se metabolizam de maneiras mais poéticas, como na escrita depois da improvisação, em que os verbos infinitivos se fizeram mais presentes. Infinitivo é uma das três formas nominais do verbo e é a forma com a qual um verbo se apresenta naturalmente, sem qualquer conjugação; é o “nome” do verbo (HYPERLINK, 2009). Sugere a ideia de uma ação ou estado, sem vinculá-lo a um tempo, a um modo ou a uma pessoa específica. Ao escrever impressões acerca da experiência do dançar, elas se deixam ser pensadas pelas palavras e as palavras são guiadas pelas imagens da dança. No trabalho poético com os vocábulos as teias relacionais da imagem se abrem, se “re-imaginam”, se amplificam. Palavra-imagem é a potencialização das qualidades metafóricas, é a explosão do devir, do que ainda não é.

Na primeira roda de discussão, antes da improvisação, um discurso suscetível ao discurso do outro e encharcado de subjetivismo predominou, como se a escultura não existisse. Ao perguntar: “O que vê quando olha para a escultura?” um convite foi feito ao olhar, e o olhar vê coisas que não estão necessariamente lá. Estranho jogo do olhar. Não sabemos exatamente o que vemos. Olho e olhar não são a mesma coisa. O olho circunscreve um lugar, lugar de onde se olha. Esse olho olha para a escultura do lugar da sua fantasia. Mas não podemos perder de vista que a escultura também é um olho, somos olhados por ela. Ao ir ao encontro da consciência da imagem, somos provocados pelo o que a escultura tem a nos dizer e a relação começa a ser construída nesse jogo imaginativo do olhar.

A fantasia coloca o “eu” em uma posição, em um lugar de onde ele fala, como uma das participantes expressou: “[…] Falo o que eu vejo e me move. Não vejo a desistência, mas a entrega. Entrega ao amor profundo. Quando você se rende. É algo muito sublime, quando você se rende e entende o que é muito profundo na sua vida. Como se fosse para as raízes. Tem a ver com o amor”.

Quando ela confessa seus ideais sobre o amor, inspiradas pela escultura, empresta traços pessoais, para depois recuperá-los, como em um jogo de espelhos. Nessa “especulação refletida”, já não se recupera a mesma coisa: no encontro dessas imagens, algo novo se faz.

Essas falas se moveram, e ao final do Laboratório, na última roda de discussão depois das improvisações, apareceu um discurso mais corporificado, menos racional e mais experimentado. Ao falar da experiência pessoal, falavam a partir de um corpo vivo, que vibra e pareciam considerar o encontro, as relações estabelecidas. Elas não estavam mais sozinhas. Uma fala descritiva, arejada e paradoxal surgiu. Observou-se um discurso mais próximo à superfície da imagem, recuperando um sentido afrodisíaco, que liberta a imagem do excesso de projeções e subjetivismo, em direção a uma percepção estética. Ao descrever a “vulnerabilidade da nuca” da escultura ou de seus “cabelos escovando o chão como ondas na areia”, uma sensualidade que é própria da escultura emerge, brota de seus poros. Essa sensualidade guia o movimento e o faz se ligar à sensação do vento, da gota de suor escorrendo, “das águas que brotam no corpo”. Diziam: “…Todos os contornos, as curvas para lados ocultos…Isso é um convite! …senti falta de estar na pele dela… A pele puxa o movimento”, o que sugere que não nos aproximamos do objeto por um método, mas por seus poros.

Ao ser dançada a escultura ganha outra percepção. Entrar em contato com os poros da obra, experimentar as possibilidades de seu corpo e desvendar suas necessidades tornam-as esculturas vivas. Não se pode afirmar que as participantes saíram transformadas da experiência, mas talvez insinuar que se moveram por terrenos não cotidianamente visitados, que puderam experimentar um olhar estrangeiro, que se perderam nos labirintos das imagens. Ao fazer da escultura uma imagem, elas despertam sua alma e se tornam uma escultura em movimento.

A imaginação-ativada proposta pela pesquisa propõe uma interrelação das participantes entre si, com suas idiossincrasias e as articulações possíveis em seus corpos, com a subjetividade da pesquisadora, revelada em suas escolhas pela a música e pelo tema. É só a partir desses encontros que foi possível trabalhar o material bruto, opaco, indiscriminado.

Relataram que as músicas escolhidas (Beethoven, YoYo-Ma e Sakamoto, entre outras) ajudaram-nas a mergulhar no tema e que começaram a gostar ou ter uma relação de intimidade com a obra de Rodin. Esse olhar atento ou aproximação amorosa faz parte do fazer-alma. É preciso ser capturado pela imagem, é preciso estar presente à imagem no minuto da imagem. A alma emerge quando atribuímos valor à experiência.

Ao ser capturado por algo é como se houvesse uma suspensão do tempo; ele se torna denso, o tempo da imagem é o presente. De modo semelhante saímos exaustos de uma visita a uma exposição de arte: a experiência estética traz essa intensidade.

O trabalho de improvisação acontece em níveis, em espirais. Pode- se ver a imagem se movendo, aparecendo e desaparecendo nos movimentos das dançarinas, se aproximando e se distanciando da escultura-tema. Essa circuambulação, ou lapidação pelo movimento e pelas palavras, dá volume à imagem. É nesse engrossar que os sentidos “literalizantes” podem ser metaforizados, saem do lugar comum e se descolam das identidades.

Voltamos ao ponto de partida, imagem é improvisação. Não escolhemos tudo, somos dançados por imagens que nos escolhem. Há no entanto uma escolha: as imagens se apresentam e aceitamos, ou não, o convite para dançar. Às vezes dançamos sem querer, ou sem saber, mas estamos sempre em uma dança, em uma fantasia. Na perspectiva da alma, uma imagem tem muito a dizer. Não há uma verdade ou causa, mas dança e metáfora, porque ao dançar se metamorfoseia, ao dançar não é mais.

Referências:

FIAMENGHI, A. A Potência da Improvisação em Dança: uma abordagem arquetípica. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Psicologia, PUC-SP. São Paulo, 2009.

HILLMAN, J. An inquiry into image. Spring In: Spring Journal: Zurich, 1977, 1978, 1979.

_________ Cidade e Alma. São Paulo: Studio Nobel, 1993.

_________ Estudos de Psicologia Arquetípica. São Paulo: Cultrix, 1995.

_________ Suicídio e Alma. Petrópolis: Vozes, 1998.

_________ Re-Visioning Psychology. New York: Harper Perenial, 1992.

_________ The Dream and the Underworld. New York: Harper & Row, 1983.

_________ The Thought of the Heart. Ascona. Eranos Foundation, 1981

HYPERLINK 2009. “http://pt.wikipedia.org/wiki/Formas_nominais_do_verbo”

JUNG, C.G. A Natureza da Psique. Petropolis: Vozes, 5a. edição, 2002.

_________ Estudos Alquímicos. Petropolis: Vozes, 2003.

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LAKOFF, G e JOHNSON, M. Philosophy in Flesh: the embodied mind and its challenge to western. New York: Basic Books, 1999.

MARTINS, C. Improvisação Dança Cognição: os processos de comunicação no corpo. Tese de doutorado. Faculdade de Comunicação. PUC-SP. São Paulo, 2002.

STONE, I. Agonia e Êxtase. Boubleday and Company, Inc, Nova York, 1961.

Mestrado em Psicologia Clínica Pelo Núcleo de Estudos Junguianos da PUC-SP em 2009,
sob orientação da Profa. Dra. Ceres Araújo.

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